sexta-feira, 6 de maio de 2016

senhora professora, o magusto e a espiga

a senhora professora da escola primária era de Peniche. vestia muitas vezes uma camisa branca com um bordado imaculado dourado, umas calças de ganga vermelhas-paixão, o cabelo preto era preso com um travessão e o lenço ao pescoço condizia com as sabrinas azul-marinho. tinha um tom de voz alto e conciso. (encontrei-a o ano passado na bancada do peixe da Zézinha!)
almoçava todos os dias no alpendre branco, da cal, com a senhora professora e o B.
um dia, depois de fechar a minha cesta de palha onde trazia o almoço, depois do B., como era rapaz, trepar a nespereira para buscar as mais doces nêsperas e comê-las com a senhora professora, depois de brincarmos a qualquer coisa própria da idade, voltámos para dentro (a senhora professora chamou) e anunciou que íamos à espiga! 
a memória não é muito mais viva que a do dia em que saímos para celebrar o magusto e o outono. recordo-me de apanhar muitas folhas de tonalidades várias e procurar pelas maiores dos castanheiros para desenhar com elas e pintar com os lápis de cor quase sem bico assim como me recordo de apanhar papoilas, umas flores amarelinhas, as azedas, um ou outra de cor branca e roxa... ah... que memórias! estava sempre sol, não sei que se passou este ano que choveu no dia da espiguinha, nunca choveu, até ao dia de ontem e não pude ir ao campo colher uma papoila que fosse... é uma tradição que tenho deixado esquecer mas que não posso permiti-lo. traz-me memórias muito agradáveis; são como as conversas com as cerejas: nunca acabam!
o ramo deverá ser composto por flores campestres que simbolizam amor, vida e fortuna; um ramo de oliveira para que haja azeite e paz; o alecrim atrai saúde e força; e uma vide é sempre benvinda para que não falte vinho de braço dado com a alegria e o pão da espiga de trigo.
é o dia conhecido como o dia da hora. que hora é ninguem sabe, pensa-se ser o meio-dia. ninguém trabalha nem as águas dos ribeiros correm, o leite não coalha e o pão não leveda; as folhas cruzam-se e os pássaros não vão ao ninho.

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