terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

lamber as feridas


"o meu processo de cura começou quando deixei de gostar de me ouvir!
estou farta de gritar. de não ter paciência. da saturação. da rotina chata de sempre. da falta de perspectivas. tenho saudades de dormir. 
mas o meu processo de cura não passa por aí.
curar dói, disse-me alguém! 
mas estou feliz que tenhas a consciência da necessidade do teu corpo apelar à mudança. chora. vais chorar... muito. e deixa que ele te veja chorar.

deverão ser as palavras mais sábias que me disseram nos últimos tempos. 
mas as lágrimas não saiem. tenho dias que me sinto tão árida quanto a terra seca do deserto, dos tempos áureos que o mar banhou. e eu não me reconheço!
não sei de onde veio esta necessidade de me transformar. 
não consigo decidir-me se veio da minha cabeça, se veio do meu coração, se veio do meu ventre. 
e esta impaciência que não me larga! queria resolver de vez como quem arranca um penso rápido.
porém, sei... que é um processo longo e ainda agora mal gatinhei."




estas palavras redigi-as eu, outro rascunho como vários outros que já tive, e não cheguei a publica-las. porque... curar dói. 

no entanto...

depois de um ano conturbado como foi o de 2018, às zero horas do dia primeiro, deste ano, decidi, contra todas as expectativas, que é tempo de pôr tudo para trás das costas. está na hora de perdoar quem tem de ser perdoado, esquecer quem tem de ser esquecido, amar quem tem amor para dar. lamber as feridas e seguir em frente.
entrou no meu dicionário palavras como gratidão. descubro-lhe o sabor e o valor dia após dia ainda que o caminho mal tenha começado. 
decidi que está na hora de crescer.
levantei-me. limpei as lágrimas com os punhos cerrados, à espera de outra luta vã, ergui os olhos acima da linha do horizonte e assumi que posso alcançá-la porque eu posso, efectivamente!
reentraram na minha vida, talvez nunca tenham saído, as pessoas certas para me pôrem no caminho certo. aquele em que não duvido de mim, nunca! aquele que não me deixa desistir, por nada! aquele onde estar sozinha, é uma opção.
choquei-me quando percebi que tenho muito para agradecer. e agora agradeço todos os dias quando me aninho nos lençóis e aconchego a almofada, já a madrugada vai longe e pela manhã, em silêncio, para não acordar o melhor sono que um bebé tem, junto de sua mãe. 
percebi, também, como era mais infeliz do que pensava e de como contribuí para isso. 
se é fácil. não é. nada é. nunca. "curar dói.", disseram-me. mas se fosse para ser fácil não seria para mim porque dia após dia consciencializo-me do valor que tenho e que distraidamente esqueci ou cobardemente abafei. felizmente não o perdi. 
as pessoas vão e vêm, é preciso aceitar isso. são como folhas desprendidas ao vento, pousam onde calha. permanecem os sentimentos delas. as suas emoções. as suas intenções. o seu amor. as suas lágrimas também e isso não tem de ser mau. sou eu que escolho o que fazer com essas lágrimas. eu posso decidir que as seco ali ou banhar-me nelas e vitimar-me. eu não sou assim. eu decido que sou protagonista da minha própria história.
grata.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

a falta que tu me fazes!

sim, a ferida não cicatrizou. deixei a menina há muito tempo no tempo que passou por mim antes de tempo! a ferida não sarou. nem sei como sará-la. 
há dores que nunca desaparecem e a tua ausência... há horas que me fazes uma falta! não quero nem imaginar o dia que fique sem ela. ainda que eu sei, nesse dia, ela estará bem. mas eu não. eu nunca mais ficarei bem. ficarei ainda mais sozinha no mundo.
acordo para um mundo que não reconheço. que aconteceu ao meu mundo, à forma como o via em menina? 
sim, é certo, que ambicionava ser crescida, quem não? mas o sol era mais quente. as flores tinham mais cor. eu tinha uma lareira e bonecas com vidas perfeitas. a chuva não era fria e os dias cinzentos até tinham a sua graça.
havia abraços inocentes, beijinhos de amor escondidos, palavras sagradas pronunciadas baixinho e risinhos sem jeito, feitos de coisas simples.
roubaram-nos uma da outra. e sim, tenho medo de tudo. tenho medo do mundo. tenho medo de não ser capaz.
tenho também as lágrimas de quem nunca chora.
e também tenho comigo, as gargalhadas inesperadas.
sobretudo, tenho o medo, companheiro amigo que me desafia no dia a dia. que espicaça o meu espírito; que provoca; que me tenta; que me assombra. tenho-o comigo para me lembrar que eu sou mais, que tenho mais e, acima de tudo, que quero muito mais.
espero que estejas comigo, no coração, pelo menos. 

chove

chove. chove há horas! 
bate em força nos vidros da varanda, trazida pelo vento, que tem dias, anda por aqui!
porém, apesar da intensidade do choque, a delicadeza com que cada gota desliza é fascinante. as adversidades que passa, o destino que não controla, o desfecho inevitável. e ela permanece intocável; cristalina. 

o tempo abrandou. 
não se ouve o vento, não se ouve a chuva. sinto frio.

Oxalis pes-caprae

eu sou oxalis pes-carpe, a praga má que se propaga pelos campos fora.
eu sou a praga má que aspira ser dente de leão no leito da morte.
o momento exacto que tudo se desfaz em prol de um bem maior: a continuidade da vida! 
aquele momento ilusório de liberdade total que a semente pensa que tem quando se solta até ao o seu devaneio se tornar realidade distante; nesse ponto tudo termina ficou presa, interrompendo a sua suave viagem pelo mundo. é pequeno o mundo e nem estava livre, estava à deriva e por isso, não era total. foi quase...
fica ali. entregue no seu destino que não comanda ainda que o saiba: enterrar-se-à na aridez das levas secas do sol; voltará em flor, a flor que se transforma. florescerá, amarela e jovial e depois será um tufo de sementes e fará o ser humano mais comum ser (ainda mais) patético! diz-me... porque sopras tu, delicadamente, as sementes e ficas a vê-las planar no ar sem destino? até pedes um desejo humano! patético! 
a praga má, que se propaga rente ao chão, estupidamente, ambiciona isto!