quinta-feira, 22 de agosto de 2019

quem houvesse e soubesse de alguma coisa...

quem vê o sorriso não sabe das batalhas que enfrenta.
quem vê a maquilhagem não vê as olheiras de noites perdidas por motivos vários...
quem a vê acompanhada sempre de alguém não sabe da solidão que lhe assalta o coração.
quem a vê bendisposta, educada, simpática, não imagina o alívio que sentiria naquele momento se dissesse um fodasse sonoro!

quem vê caras não vê corações! tão clichê, mas touchê!

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Lugares

...

"não há nada como regressar a um lugar que está igual para descobrir o quanto a gente mudou."

Nelson Mandela

assim é com os lugares, assim é com as pessoas, assim é connosco, na verdade.

domingo, 30 de junho de 2019

até já, junho

chegámos, finalmente, a meio do ano sem que isso signifique ir a meio do caminho...
junho... oh junho... donde vieste tu, para onde irás agora?

que leves contigo tudo aquilo que não interessa; todas as amarras das ervas daninhas, que não haja um grão minúsculo de pólen, no ar, que nos atrase a vida num rasgo de ilusão óptica e temporal; e deixes ficar os raios de sol quentes, desses amanhecer alaranjados, que eu conheço da infância.
deixa-nos o perfume doce das azedas no ar e o sabor fresco das cervejas na boca.

preparados ou não, ansiamos a liberdade estival dos campos de trigo ao mandato do vento.
e quer queiramos, quer não, ele chegará para nos surpreender, nos ensinar e nos amar na lágrima, na gargalhada e na oração.

vai junho, vai. voltarás, certamente, daqui a outros trezentos e trinta e cinco dias.

domingo, 23 de junho de 2019

oração

acordei cedo hoje.
na verdade, enganei-me a colocar o despertador quando fui dormir e acordei um pouco mais cedo que aquilo que precisava.
deu para fazer um pouco de ronha.
vestir-me vagarosamente.
maquilhar-me.
beber um café...
enquanto delineava o eyeliner preto, o mais fino possível, por cima do rosa que já lá estava, ocorreu-me um milhão de coisas à minha cabeça para fazer e outro tanto igual ou maior no meu coração de amor e cuidado.
confio e aceito que tudo está bem.
só ainda não excluí, de vez, os porquês ou não aprendi a fazer as perguntas correctas. (há dias que já nem sei se sei alguma coisa embora clichê é uma constante na minha vida, actualmente.)

canela.
café em pó. uma. duas. três. (colheres)
óleo de côco prensado a frio.
água quente.

...

começou a chover.
faço a minha oração.
está tudo bem.

domingo, 26 de maio de 2019

lugar para voltar

entrei sem bater.
fui recebida como sendo da casa.
em casa me sinto.
da casa saio.
e no coração levo amor e um lugar para voltar.

na soleira da porta fui convidada a entrar.
entro todos os dias com o pensamento e o sentimento da criança que resgato dentro de mim.
hoje tenho comigo a benção da madre, aquela que sempre esteve comigo sem que eu imaginasse a importância que eu tinha para ela.
por hoje estou grata pela partilha.
levanta-se um vento de mudança no horizonte; por ora, vou dormir, sei que as estrelas olham por mim e amanhã vou continuar a estar aqui, penso.

desconstruir crenças

cheguei a meio da travessia.

daqui em diante não será mais fácil, será mais desafiador.

mas até aqui... foi uma experiência megalomana!
tomar consciência de que não preciso de nada do que pensava é, no mínimo, e trinta anos depois, avassalador.
recordo como se já fosse algo com muito, muito tempo, a garra com que eu defendia o materialismo, o palpável, o perceptível. não, não me despi já de pré-conceitos definidos nem me libertei do mundo para me entregar a ele porém, a tomada de consciência de que não é nada disso que faz sentido na minha vida e que o caminho não era, definitivamente, aquele, leva-me a questionar onde estive este tempo todo e que direcção leva a sociedade. que relógio tiquetaqueia-lhe no coração.
que horizonte alcança o olhar que não vê.
aprendi uma nova palavra, nunca usada, nunca sentida, nunca entendida, gratidão.
constatar que devo ser grata por tudo o que tenho nas mãos também levou o seu tempo tão simples de justificar por isto: direitos são mal-entendidos como adquiridos - a minha cama, a comida na minha mesa, o tecto que me abriga e nem mesmo o sol ou a chuva, a noite cheia de estrelas ou o céu desenhado pelas nuvens é meu por direito mas andamos aqui a achar que sim!
também andamos aqui a mencionar muito certas palavras mas também cheguei à conclusão que poucas pessoas têm noção do impacto, do significado, do acto implicado de prosperidade.
eu, por exemplo, só usava esta palavra nos votos soltos na passagem para mais um ano. nunca percebi o que era, nunca senti o seu conceito, era outra palavra clichê que a minha boca pronunciava e os meus dedos escreviam. a intenção era boa mas o sentimento não estava lá.
e pergunta quem lê agora, balelas, balelas e fica tudo igual, não fica porque em toda a certeza afirmo, prosperidade é benção.
atenção, sugiro eu, que sou mais um ser que aqui anda, atenção à palavra dada de forma gratuita, o que vai volta, o bem e o mal andam de mãos dadas, são amigos de uma vida, são irmãos.
grata pela vossa atenção

sábado, 18 de maio de 2019

pedras no caminho

que as pedras no meu caminho
sejam algodão
sejam linho
sejam ninho
sejam carinho
sejam porto
sejam amor.
que as pedras do meu caminho
me mostrem o destino
na palma das mãos traçado,
na mente almejado,
nos sonhos alcançado.
que eu tenho sabedoria na agonia.
que eu saiba chorar de alegria.
que eu tenha uma palavra amiga,
que eu seja criativa.
que cada pedra do meu caminho
segure as mágoas da vida,
as lágrimas das feridas,
os medos da virgem,
os pecados da alcoviteira.
e que eu nunca perca o rumo,
não me desampare na beira
e que, enquanto, durmo
descubro a maneira de ser feliz.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Ninguém dorme

o sangue sobe me à guelra.
o sangue quente.
numa discussão. fria.
a noite vai a meio.
noutra parte qualquer do mundo
já é dia, mentira ou não.
quem te sorri, mente-te.
diz o espelho.
diz o medo.
e desprende-se de mim
um grito surdo
um grito mudo
um esgar cego
um se fim de coisas sem nexo.
e aqui estou eu
a fazer não sei o quê
com o propósito de ser mais além sem resposta a porquês.
Ninguém. está.
Ninguém dorme.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Às vezes

às vezes âncora.
às vezes corrente.
às vezes lancha.
às vezes prancha.
às vezes salto.
às vezes mato.
às vezes choro.
às vezes rio.
às vezes minto.
às vezes não sinto nada
e atiro-me à água como quem sente que a sua vida depende desse acto.

terça-feira, 30 de abril de 2019

O meu aniversário

trinta e um foi um ano de vida atribulado. andei aos trambolhões com a bagagem dos trinta. ontem fechei um ciclo.
adormeço com um sorriso nos lábios e o cansaço no corpo adormeceu me o corpo pesado e bagunçado da agitação dos votos de aniversário aqui e ali, um sorriso rasgado, um adeus levantado.

acordei sobressaltada com o despertador. o dia amanheceu solarengo e eu feliz.

12.04.2019

sábado, 6 de abril de 2019

a lágrima

nasceu.
deslizou.
caiu.
em vão, desamparada,
a lágrima sobre a almofada.

não sei quem foi
não sei porquê,
não sei que me dói
nem sei o que me deu.

terça-feira, 2 de abril de 2019

até amanhã de manhã

no sopro grosso do vento, lá fora, que acelera a cada compasso de espera, vejo-me num beijo demorado, adormecida naquele abraço que me sossega mais que o coração, que me toca na alma.
um arrepio percorre o meu corpo e tu nem fazes ideia das cartas que te escrevo na minha cabeça nem dos sonhos que os meus lábios murmuram enquanto durmo.
a almofada, amarrotada, é o meu alento, o meu aconchego, na madrugada que se avizinha. mais nada.
e no meu bem querer de te querer a ti, mais do que a mim, me faz perder a noção, o sentimento, a razão...! ganhar o medo, aquele que é irracional, sem sentido ainda que sentido e presente mais do que se pretende ou entenda ou seja bem vindo.
dorme meu amor, dorme.
até amanhã de manhã. 

sábado, 30 de março de 2019

reflexos

no som, triste, do violino, balanço o corpo para cá e para lá, num fecho de olhos lento... e sonolento.
fecho os olhos. imagino um dia de sol quente, de verão, a correr numa estrada quente, de alcatrão, com os cabelos soltos ao vento, balões numa mão e gargalhadas ecoadas no vazio da estrada.
o brilho esverdeado dos olhos azuis revelam tristeza na traquinice; dá-lhe mistério, dá-lhe beleza, um ne-sais-quoi de encanto e espanto quando lhe pergunto: quem és tu?, e ela contrapõe: quem queres tu que eu seja?, e eu não sei responder-lhe. 
sorrio. beijo as suas faces rosadas, molhadas das lágrimas e caminhamos juntas, lado a lado, até o sol se pôr; esperamos o brilho frio das estrelas.
na noite escura, já longa vai, a verdade é dita crua, proferida entre os lábios finos, delicados que, só às escuras enxergamos as estrelas; e nós duas somos a mesmíssima pessoa.
amanheceu e ainda estamos por aí, admirando apenas o reflexo dos raios de sol a rasgarem as brumas que o mar deixa para trás e os nossos olhares cruzam-se.  
percebo, finalmente. 

não quero ser o teu reflexo mas sim que sejas tu o meu e assim o meu eco chegue mais longe pela força da inocência, do encanto, da paixão, da inexperiência.

sábado, 9 de março de 2019

farol

pedra após pedra após pedra...
fiz como o poeta
e carregueia-as no regaço,
às costas, de peito à mostra,
num abraço apertado,
no sonho de um beijo demorado.

nas voltas que dei à cabeça
o que fazer, o que fazer?
assumi a crença
e pus-me às voltas.
uma atrás da outra,
atrás da outra...
senti-me escrava,
senti-me moura
mas sabia - libertar-me-ia!

continuei às voltas;
apanhei sol,
vento e frio,
torci o nariz,
mordi o lábio,
chorei e rio!
de petiz a mestre
cheguei ao topo cansada,
esfolada
porém,
acendi a luz.

a luz que se extende por milhas,
mar adentro,
sento e admiro a força da natureza,
à minha frente.
o mesmo mar que ama,
se zanga,
se revolta,
se acalma.
deito e adormeço
embalada pelas ondas,
coberta pelas estrelas
e sonho.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

lamber as feridas


"o meu processo de cura começou quando deixei de gostar de me ouvir!
estou farta de gritar. de não ter paciência. da saturação. da rotina chata de sempre. da falta de perspectivas. tenho saudades de dormir. 
mas o meu processo de cura não passa por aí.
curar dói, disse-me alguém! 
mas estou feliz que tenhas a consciência da necessidade do teu corpo apelar à mudança. chora. vais chorar... muito. e deixa que ele te veja chorar.

deverão ser as palavras mais sábias que me disseram nos últimos tempos. 
mas as lágrimas não saiem. tenho dias que me sinto tão árida quanto a terra seca do deserto, dos tempos áureos que o mar banhou. e eu não me reconheço!
não sei de onde veio esta necessidade de me transformar. 
não consigo decidir-me se veio da minha cabeça, se veio do meu coração, se veio do meu ventre. 
e esta impaciência que não me larga! queria resolver de vez como quem arranca um penso rápido.
porém, sei... que é um processo longo e ainda agora mal gatinhei."




estas palavras redigi-as eu, outro rascunho como vários outros que já tive, e não cheguei a publica-las. porque... curar dói. 

no entanto...

depois de um ano conturbado como foi o de 2018, às zero horas do dia primeiro, deste ano, decidi, contra todas as expectativas, que é tempo de pôr tudo para trás das costas. está na hora de perdoar quem tem de ser perdoado, esquecer quem tem de ser esquecido, amar quem tem amor para dar. lamber as feridas e seguir em frente.
entrou no meu dicionário palavras como gratidão. descubro-lhe o sabor e o valor dia após dia ainda que o caminho mal tenha começado. 
decidi que está na hora de crescer.
levantei-me. limpei as lágrimas com os punhos cerrados, à espera de outra luta vã, ergui os olhos acima da linha do horizonte e assumi que posso alcançá-la porque eu posso, efectivamente!
reentraram na minha vida, talvez nunca tenham saído, as pessoas certas para me pôrem no caminho certo. aquele em que não duvido de mim, nunca! aquele que não me deixa desistir, por nada! aquele onde estar sozinha, é uma opção.
choquei-me quando percebi que tenho muito para agradecer. e agora agradeço todos os dias quando me aninho nos lençóis e aconchego a almofada, já a madrugada vai longe e pela manhã, em silêncio, para não acordar o melhor sono que um bebé tem, junto de sua mãe. 
percebi, também, como era mais infeliz do que pensava e de como contribuí para isso. 
se é fácil. não é. nada é. nunca. "curar dói.", disseram-me. mas se fosse para ser fácil não seria para mim porque dia após dia consciencializo-me do valor que tenho e que distraidamente esqueci ou cobardemente abafei. felizmente não o perdi. 
as pessoas vão e vêm, é preciso aceitar isso. são como folhas desprendidas ao vento, pousam onde calha. permanecem os sentimentos delas. as suas emoções. as suas intenções. o seu amor. as suas lágrimas também e isso não tem de ser mau. sou eu que escolho o que fazer com essas lágrimas. eu posso decidir que as seco ali ou banhar-me nelas e vitimar-me. eu não sou assim. eu decido que sou protagonista da minha própria história.
grata.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

a falta que tu me fazes!

sim, a ferida não cicatrizou. deixei a menina há muito tempo no tempo que passou por mim antes de tempo! a ferida não sarou. nem sei como sará-la. 
há dores que nunca desaparecem e a tua ausência... há horas que me fazes uma falta! não quero nem imaginar o dia que fique sem ela. ainda que eu sei, nesse dia, ela estará bem. mas eu não. eu nunca mais ficarei bem. ficarei ainda mais sozinha no mundo.
acordo para um mundo que não reconheço. que aconteceu ao meu mundo, à forma como o via em menina? 
sim, é certo, que ambicionava ser crescida, quem não? mas o sol era mais quente. as flores tinham mais cor. eu tinha uma lareira e bonecas com vidas perfeitas. a chuva não era fria e os dias cinzentos até tinham a sua graça.
havia abraços inocentes, beijinhos de amor escondidos, palavras sagradas pronunciadas baixinho e risinhos sem jeito, feitos de coisas simples.
roubaram-nos uma da outra. e sim, tenho medo de tudo. tenho medo do mundo. tenho medo de não ser capaz.
tenho também as lágrimas de quem nunca chora.
e também tenho comigo, as gargalhadas inesperadas.
sobretudo, tenho o medo, companheiro amigo que me desafia no dia a dia. que espicaça o meu espírito; que provoca; que me tenta; que me assombra. tenho-o comigo para me lembrar que eu sou mais, que tenho mais e, acima de tudo, que quero muito mais.
espero que estejas comigo, no coração, pelo menos. 

chove

chove. chove há horas! 
bate em força nos vidros da varanda, trazida pelo vento, que tem dias, anda por aqui!
porém, apesar da intensidade do choque, a delicadeza com que cada gota desliza é fascinante. as adversidades que passa, o destino que não controla, o desfecho inevitável. e ela permanece intocável; cristalina. 

o tempo abrandou. 
não se ouve o vento, não se ouve a chuva. sinto frio.

Oxalis pes-caprae

eu sou oxalis pes-carpe, a praga má que se propaga pelos campos fora.
eu sou a praga má que aspira ser dente de leão no leito da morte.
o momento exacto que tudo se desfaz em prol de um bem maior: a continuidade da vida! 
aquele momento ilusório de liberdade total que a semente pensa que tem quando se solta até ao o seu devaneio se tornar realidade distante; nesse ponto tudo termina ficou presa, interrompendo a sua suave viagem pelo mundo. é pequeno o mundo e nem estava livre, estava à deriva e por isso, não era total. foi quase...
fica ali. entregue no seu destino que não comanda ainda que o saiba: enterrar-se-à na aridez das levas secas do sol; voltará em flor, a flor que se transforma. florescerá, amarela e jovial e depois será um tufo de sementes e fará o ser humano mais comum ser (ainda mais) patético! diz-me... porque sopras tu, delicadamente, as sementes e ficas a vê-las planar no ar sem destino? até pedes um desejo humano! patético! 
a praga má, que se propaga rente ao chão, estupidamente, ambiciona isto!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

a felina

procuro o refúgio na brusquidão do mar.
quando o vento varre tudo na sua passagem, abro os braços, lanço-me em desafio...
por um fio não deixo cair a lágrima suspensa nas pestanas trémulas.
abro as goelas em gritos mudos no abismo porque não há eco que devolva amor. o eco propaga. e o que sai de mim, às vezes, parece mais uma praga que uma palavra bonita, sagrada.
na rebentação forte do mar, nas investidas constantes na arriba, arrepia-me o fascínio da destruição de uma massa tão poderosa, desfeita em milhares de milhões de micro partículas que me ensopam a sweat sem que eu dê conta, acalmam a rebeldia dos últimos fios de cabelo a crescer, contra um rochedo, imóvel. encontro-me por instantes para logo me perder em pensamentos turvos, sem nexo, sem história, são flashes soltos que não encaixam em lado nenhum.
Ziva, a felina
a noite chama por mim.
deito-me, finalmente. puxo a roupa para cima e em posição fetal fico à espera que o meu corpo aqueça e, por fim, adormeça; se renda, a algum descanso merecido quando então, oiço o som familiar das patinhas da felina cá de casa, dona do sítio, dona de mim!
nem se ouve o salto para cima da colcha... só me apercebo dela a aninhar-se em mim, de focinho húmido contra a minha cara, a ronronar com tanta intensidade junto do meu ouvido, que consigo sentir todo o meu corpo ser atravessado naquela vibração...
o refúgio encontrou-me. 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

tempo sem relógio, terra de ninguém

saí cedo, não vi as horas.
a cidade está dormente ainda; ainda mal amanheceu, até o sol está envergonhado! como é bela esta terra que não é minha; nem minha nem de ninguém por que não pertencemos a lado nenhum. quando muito, se a vaidade permitisse pertenceríamos aonde está o nosso coração. e isso faria de mim nómada!
às vezes com o pensamento na lua, que brilha um brilho que não é seu; às vezes compenetrado a sete palmos abaixo da terra, eis a questão que não sei onde me encontro na maior parte de tempo nem sei o que ando aqui fazer. perco a noção do tempo como se tivesse hipótese de ser imortal!, por ilusão sinto-me a planar num tempo sem relógio, numa terra de ninguém, só.
oiço as teclas de um piano que me embriaga e me leva a sentir, a amar o corpo de alguém como se eu te pudesse tocar agora... 
podia ser o corpo de uma mulher. é sempre tão perfeita a mãe natureza... cada curva desenhada, cada fio de cabelo que desliza nas costas de violino de um corpo feminino, o sorriso que se desenha num olhar de menina não canta, não é sereia, mas encanta como o de uma deusa que veneramos. 
as vestes das santas são tão delicadas!... ninguém diria que a maioria são feitas de barro de tão subtil, a passagem das cerdas do pincel.
as rosáceas das maçãs dos rosto denunciam uma vergonha infantil de quem foi apanhada em flagrante e no entanto o descaramento desarma-me e espanta-me como quando abro uma romã.
PENICHE, 06/12/2016

do meu lado oiço o mar que interrompe friamente a minha respiração ofegante. paro. recupero o fôlego depois de me ter lançado num sprint estrada abaixo. sinto na cara a frieza da aragem matinal, no coração o calor de quem ama só por que sim!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

eu nunca quis o mundo

eu nunca quis o mundo todo.
nunca quis o mundo todo na minha mão.
mas cada horizonte que o meu olhar alcançava... ah aquela vontade de me lançar ao mundo!
o mundo lançava um apelo numa flor, no vento, no tempo, nas páginas de um livro novo por descobrir, num livro velho que guarda segredos que só o tempo conhece.
nunca quis o mundo todo. 
quis ser o mundo de alguém. de muitos alguéns até! como muitos tiveram a oportunidade de fazer parte do meu mundo, parte de mim. hoje são apenas páginas amareladasde um livro que não abro. 
hoje escrevo um livro novo. dia a dia, página a página. 
continuo a não querer o mundo.  
será que o mundo me quer, a mim?!
e o que quereria ele de mim? 
lanço no vento a gargalhada mais infantil que há em mim enquanto enxugo as lágrimas de menina crescida, às escondidas.
gente grande não chora. 
gente grande arregaça as mangas, levanta o nariz, levanta os olhos, encolhe os ombros quando não há nada a fazer e segue caminho.  mas há sempre alguma coisa para fazer; haverá sempre alguma coisa que se possa fazer!
por anos, o caminho, à saída do portão de casa, era de terra batida. de verão provocava uma poeira, de inverno chapinhava nas poças que a chuva deixou para espelhar os meus grandes e curiosos olhos azuis. corri nos campos verdes de milho e arranhei-me nas espigas douradas que dão o pão.
o vinho tinto que bebo agora celebra o melhor e o pior que há em mim. 
não me venhas buscar agora que continuo a não querer o mundo todo. 
quero lançar-me ao sal que o mar tem caso não haja amanhã.
quero banhar-me no doce mel que sinto nos lábios de um beijo que promete a eternidade do tempo.
quero continuar a olhar o horizonte e sonhar com o que há para lá dele.
porque o mundo é muito grande e o meu cabe perfeitamente dentro dele!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

estações

MONET - mulher com parasol 1886
percorro um caminho de terra batida entre árvores que deixam cair as folhas porque chegou o outono. o ar respira-se até diferente... 
ao fundo ouve-se uma gargalhada. uma menina de cabelos soltos e encaracolados, tem um laço vermelho no cabelo, as bochechas rosadas; a gargalhada ecoa entre a folhagem seca que levanta à minha passagem, à passagem do vento que começa a levantar-se... o sol ao fim da tarde é tão bonito, tão mais familiar que o do Estio, ainda que, pouca coisa supere um pôr do sol na praia, em maré baixa, quando a imensidão do mar acalma e beija-nos os pés como se fôssemos dignos de ser venerados...
sinto um arrepio... está frio. já é inverno. o sol é dourado mas as noites são mais frias ou então sou só eu que estou sozinha em mim. tão difícil lidar com a ausência do teu riso, tão difícil lidar comigo quando estou contigo esperando a surpresa que nunca chega. 
como uma rosa que perde o seu esplendor numa jarra, aos poucos... e torna-se a natureza morta, como dizem os grandes pintores!
a menina deixou o baloiço, foi para dentro de casa. deixou a boneca para trás.
deixamos tanto para trás por que queremos alcançar tanto num futuro que nunca está presente.
já chove. 
não há nada mais bonito que um céu estrelado em janeiro. as estrelas têm mais brilho ou se calhar são só os meus olhos encharcados... 
estará realmente frio ou será apenas a minha pele seca que reage à lágrima que beija a minha mão como uma benção? 
não tarda a primavera traz consigo a melodia do bater de asas das borboletas e dança das andorinhas...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

pelo menos há sol

levanto-me atordoada... estava a dormir?! mas eu estava a dormir?
mas era tão real... o toque, o ambiente... ainda que sinistro... tudo tão estranho, tão escuro, sem nexo, sem local, sem ninguém conhecido...
volto a deitar-me, ouvindo o vento lá fora zangado que assobia à minha janela, faço de conta que não o oiço e caio no sono novamente. corro muito, sem sítio para onde ir. falo muito sem dizer nada, os lábios nem os sinto, o coração nem o oiço. há água. é uma poça, outras vezes o fundo de um fosso. hoje não se sente o cheiro. mas as cores parecem aquela mescla de tinta na paleta que o pincel esborratou depois de pintar a tela. 
pinceladas largas, cores vivas, gosto de imaginar assim. quando abro os olhos não compreendo a realidade paralela em que me encontro. acordo. levanto-me.
já é de manhã. o vento ainda está zangado e passa entre as caniças querendo levá-las consigo, arrancá-las da terra com a mesma ira com que Zeus lança a trovoada sobre o mar e depois se delicia com o reflexo daquela luz fria no mar revolto. é uma criança. ri à gargalhada do nosso infortúnio e do seu desdém.
pelo menos há sol. 

sábado, 19 de janeiro de 2019

inverno

olhei-me no espelho e não reconheci os olhos azuis que me observavam os movimentos mecânicos, automáticos.
sentei-me junto à mesa de carvalho, na sala, peguei num papel, numa caneta, escrevi o nome. não reconheci. pareceu não fazer sentido.
liguei o computador. 
automaticamente as letras juntam-se, construindo palavras, formulando frases, leio uma e outra vez; não faz sentido. apago uma e outra vez frases inteiras, meias frases, e escrevo. é um mundo de letras que há em mim e quem me dera conhecer a imensidão de possibilidades de outras palavras, que todas juntas criam com outra pessoa com mais cultura ou apenas com um dicionário ao pé.
não reconheço a imagem no espelho. sou eu. mas não pareço eu. onde estive até este momento? é a pergunta que se instala. e agora? outra surge. que vem a seguir...? parece uma vozinha vinda não sei de onde em sussurro absoluto para não acordar o bebé que dorme profundamente na sua caminha pequenina.
pé ante pé, chega-se a mim, esta sensação de não é nada, não é ninguém, não tenho tempo, camuflada sei lá de quê. 
o bebé acordou. enrolo os meus dedos naqueles caracóis desalinhados, dou-lhe um beijo, inspiro o seu cheiro, aconchego-o; se voltar a acordar deito-o comigo. 
as palavras continuam a querer sair, umas atrás da outras; todos os dias é a mesma coisa! vou deitar-me e os pensamentos afloram como um novo alvorada. mas ainda faltam algumas horas para voltar a acordar e depois não tenho tempo outra vez. 
adormeço neste desassossego e acordo como quem vai a cair num abismo, cansada, desgastada, imersa em qualquer coisa que também não tem nome. sonho sonhos sem sentido racional nos intervalos das horas que não sou acordada pelo choramingo do bebé. já nem dou pelas horas a que chegas a casa e não fosse a gata ter frio nem por ela dava a dormir em cima de mim, ronronando como se me quisesse embalar.
gostava de ter voz para cantar um melodia só; uma melodia que fosse suave e quente. mas não tenho agudos e facilmente é uma voz seca e rouca, amante destes dias frios de inverno que gelam até a alma.
no desalento que o inverno me traz e me acompanha até a primavera chegar, os dias vão passando entre a chuva que bate de estocada nos vidros sujos das janelas e o zumbido zangado de um vento que passa e tudo quer levar consigo; até lá apenas o sol se esforça para manter o seu encanto assim como o meu sorriso genuinamente se desenha num rosto pálido de rosáceas vivas e olhos azuis.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

a cerimónia fúnebre

atrás de mim um ranger de porta que interrompe o burburinho que se instalou há minutos.
alguém dá os primeiros acordes na viola.
as velhas com o terço na mão, fungam o pingo do nariz à espera da sua hora e fazem contas à vida, quantas vidas viram nascer, quantas vidas já perderam por entre os dedos onde dança a conta e quantas mais verão até que por fim, seja a sua, a vida, a chorada entre as irmãs viúvas que não são de sangue.
um sino tocou.
as pessoas levantam-se para ouvir aquele que representa o Pai, "hoje é dia de celebração..." o burburinho termina. a viúva, cabisbaixa, levanta a cabeça; os familiares escutam; os mais cépticos levantam o sobrolho. "hoje este irmão nasceu!" e não se ouve nem o respirar arfado de uma constipação nem um fungar de um nariz vermelho do choro que teima em não sossegar. o padre continua "hoje é o dia em que perguntamos mas porquê? (...) e não interessa que não acreditem Nele! por que hoje Ele estará na nossa casa. é o dia em que precisamos de Deus, precisamos da Sua presença, do Seu conforto, é hoje que precisamos que esteja connosco! e Ele vai lá estar convosco! somos nós quem sofre..." só me lembrava daquelas crianças, que na fúria inocente da idade de quem não se conforma com um simples é assim, aquele homem dava as respostas muito antes de ouvir as nossas perguntas. "dizem-me que não sabem o que dizer (continuava) pois que está em paz. o nosso irmão hoje está em paz. nasceu outra vez. está na vida eterna, ao lado do Pai. o seu percurso terminou." eu queria absorver cada vírgula daquele homem sábio por que o que raio se diz a uma criança de sete anos acerca da morte?! até nós, adultos, nos revoltamos! nem nós, adultos, sabemos o que dizer uns aos outros...
foi feita a comunhão.
foram tocadas as violas, ouvidas as vozes em melodia que não lembro a letra.
terminou a cerimónia fúnebre mais bonita que ouvi até hoje ainda que triste como é óbvio. palavras sábias, confortantes, amigas.
a despedida foi feita, finalmente.
voltámos todos para casa, resignados com a nossa realidade.

há coisas no mundo

há coisas no mundo para as quais ainda hoje não tenho respostas...

 
por que é que o mundo é redondo e falamos em quatro cantos?

tive um período na minha infância, após a morte da minha irmã, que todos os dias eu achava que nada daquilo era a minha realidade, de facto; era um sonho. eu acreditava piamente que estava a dormir, profundamente, na minha cama de pinho-mel, cabeceira arredondada, quase com um metro de altura do chão e com lençóis de flanela com patinhos desenhados, eram os meus preferidos; ao fundo a minha mesinha de cabeceira com um candeeiro que projectava imagens (não-sei-de-quê) no tecto. no tecto, outro candeeiro em pinho-mel para condizer com a mobília com umas colunas pequeninas tipo românicas. de um lado a escrivaninha que viria a guardar por anos um caos de segredos e rascunhos dos tempos de escola; do outro um guarda-vestidos.
eu acordava todos os dias. comia sopinhas de leite, umas vezes com nesquick, outras só com açúcar branco, e entre as tarefas normais de quem tem de ajudar em casa ou no campo, brincava também. mas... havia ali uma hora que a sensação de ilusão se instalava e eu fechava os olhos com muita força, os punhos cerravam, os lábios contraíam-se, para tentar acordar. 
com o tempo foi diminuindo. a idade traz ferramentas de ilusão e
ocupa-nos o tempo em futilidades trágicas momentâneas que só quando nos obrigamos a parar, a olhar para o relógio, permitimos que o choque da realidade se instale. 
porém, ainda hoje, muito de quando em vez, surge essa sensação... depois questiono-me, e se eu for ainda criança, ainda estiver a dormir na minha cama, ou melhor, e se eu ainda estiver na barriga da minha mãe será que ainda vou acordar? será esta a realidade que o anjo ao meu lado me conta para me fazer esquecer na hora do parto, tocando com o seu indicador na aba dos meus lábios, pedindo segredo? para que eu sorria sempre de forma espontânea e infantil? será, será?
não claro que não. o tempo não cura tudo, acho que ele não cura nada! assim como não dá respostas no tempo que a gente quer! e por isso, talvez, nunca cheguem! 
por outro lado, faz-nos esquecer. só me lembro de como fria era a pele dela, envolta no cetim branco e reluzente...

há coisas no mundo para as quais ainda hoje não tenho respostas...

por que se fala em luz se quando fecho os olhos é tudo escuro?

nem tenho a noção da quantidade de gente que nasce e morre por minuto no mundo... nem sei por que razão nos alegramos tanto com um nascimento quando não sabemos lidar com a morte...

há coisas no mundo para as quais ainda hoje não tenho respostas...
o que há para além disto que sou, que vejo, que sinto, que cheiro, que toco? 

também não sei se quero saber.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

oh mundo, mundo

eu gostava que o mundo fosse diferente.
eu gostava de ser uma pessoa diferente.
talvez noutro mundo... menos mouro.
eu gostava de ser mais calma. mais paciente. mais confiante. mais assertiva.
meste mundo d'agora é difícil manter o sorriso até quando não é nada connosco por que se passa demasiada coisa à nossa volta que não causa comichão no umbigo mas começa a criar arrepios ao fundo da espinha.
é muita indiferença. é muita maldade. não há segundas oportunidades.
há ingenuidade que se confunde com burrice. e às melhores intenções da senhora do lado alguém lança uma palavra maldosa, um olhar reprovador; instala-se o medo, o desdém ao que era para ser um desabafo.
num mundo melhor o mundo era mais água e menos benção; mais chocolate, mais vinho, mais galhofa que ecoa na gargalhada efusiva de um copo a mais, perdidas as horas desde que nos juntámos.
mas num mundo diferente eu também seria uma pessoa diferente, inevitavelmente.
talvez eu continuasse a não gostar de mim por completo sem com isso pôr em causa o meu amado amor próprio, que tenho sim, essa flor que se sopra ao vento e se pede que em todas as noites os céus brilhem por estrelas cadentes ou fogos de artifício que não sei se beijam a lua ou os meus olhos.
mas enfim, num mundo diferente talvez eu não tivesse o que tenho hoje, consciência. e por isso eu gosto de mim - às vezes ingénua, às vezes burra, às vezes difícil, às vezes bela...