sábado, 19 de janeiro de 2019

inverno

olhei-me no espelho e não reconheci os olhos azuis que me observavam os movimentos mecânicos, automáticos.
sentei-me junto à mesa de carvalho, na sala, peguei num papel, numa caneta, escrevi o nome. não reconheci. pareceu não fazer sentido.
liguei o computador. 
automaticamente as letras juntam-se, construindo palavras, formulando frases, leio uma e outra vez; não faz sentido. apago uma e outra vez frases inteiras, meias frases, e escrevo. é um mundo de letras que há em mim e quem me dera conhecer a imensidão de possibilidades de outras palavras, que todas juntas criam com outra pessoa com mais cultura ou apenas com um dicionário ao pé.
não reconheço a imagem no espelho. sou eu. mas não pareço eu. onde estive até este momento? é a pergunta que se instala. e agora? outra surge. que vem a seguir...? parece uma vozinha vinda não sei de onde em sussurro absoluto para não acordar o bebé que dorme profundamente na sua caminha pequenina.
pé ante pé, chega-se a mim, esta sensação de não é nada, não é ninguém, não tenho tempo, camuflada sei lá de quê. 
o bebé acordou. enrolo os meus dedos naqueles caracóis desalinhados, dou-lhe um beijo, inspiro o seu cheiro, aconchego-o; se voltar a acordar deito-o comigo. 
as palavras continuam a querer sair, umas atrás da outras; todos os dias é a mesma coisa! vou deitar-me e os pensamentos afloram como um novo alvorada. mas ainda faltam algumas horas para voltar a acordar e depois não tenho tempo outra vez. 
adormeço neste desassossego e acordo como quem vai a cair num abismo, cansada, desgastada, imersa em qualquer coisa que também não tem nome. sonho sonhos sem sentido racional nos intervalos das horas que não sou acordada pelo choramingo do bebé. já nem dou pelas horas a que chegas a casa e não fosse a gata ter frio nem por ela dava a dormir em cima de mim, ronronando como se me quisesse embalar.
gostava de ter voz para cantar um melodia só; uma melodia que fosse suave e quente. mas não tenho agudos e facilmente é uma voz seca e rouca, amante destes dias frios de inverno que gelam até a alma.
no desalento que o inverno me traz e me acompanha até a primavera chegar, os dias vão passando entre a chuva que bate de estocada nos vidros sujos das janelas e o zumbido zangado de um vento que passa e tudo quer levar consigo; até lá apenas o sol se esforça para manter o seu encanto assim como o meu sorriso genuinamente se desenha num rosto pálido de rosáceas vivas e olhos azuis.

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