quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

tempo sem relógio, terra de ninguém

saí cedo, não vi as horas.
a cidade está dormente ainda; ainda mal amanheceu, até o sol está envergonhado! como é bela esta terra que não é minha; nem minha nem de ninguém por que não pertencemos a lado nenhum. quando muito, se a vaidade permitisse pertenceríamos aonde está o nosso coração. e isso faria de mim nómada!
às vezes com o pensamento na lua, que brilha um brilho que não é seu; às vezes compenetrado a sete palmos abaixo da terra, eis a questão que não sei onde me encontro na maior parte de tempo nem sei o que ando aqui fazer. perco a noção do tempo como se tivesse hipótese de ser imortal!, por ilusão sinto-me a planar num tempo sem relógio, numa terra de ninguém, só.
oiço as teclas de um piano que me embriaga e me leva a sentir, a amar o corpo de alguém como se eu te pudesse tocar agora... 
podia ser o corpo de uma mulher. é sempre tão perfeita a mãe natureza... cada curva desenhada, cada fio de cabelo que desliza nas costas de violino de um corpo feminino, o sorriso que se desenha num olhar de menina não canta, não é sereia, mas encanta como o de uma deusa que veneramos. 
as vestes das santas são tão delicadas!... ninguém diria que a maioria são feitas de barro de tão subtil, a passagem das cerdas do pincel.
as rosáceas das maçãs dos rosto denunciam uma vergonha infantil de quem foi apanhada em flagrante e no entanto o descaramento desarma-me e espanta-me como quando abro uma romã.
PENICHE, 06/12/2016

do meu lado oiço o mar que interrompe friamente a minha respiração ofegante. paro. recupero o fôlego depois de me ter lançado num sprint estrada abaixo. sinto na cara a frieza da aragem matinal, no coração o calor de quem ama só por que sim!

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