quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

há coisas no mundo

há coisas no mundo para as quais ainda hoje não tenho respostas...

 
por que é que o mundo é redondo e falamos em quatro cantos?

tive um período na minha infância, após a morte da minha irmã, que todos os dias eu achava que nada daquilo era a minha realidade, de facto; era um sonho. eu acreditava piamente que estava a dormir, profundamente, na minha cama de pinho-mel, cabeceira arredondada, quase com um metro de altura do chão e com lençóis de flanela com patinhos desenhados, eram os meus preferidos; ao fundo a minha mesinha de cabeceira com um candeeiro que projectava imagens (não-sei-de-quê) no tecto. no tecto, outro candeeiro em pinho-mel para condizer com a mobília com umas colunas pequeninas tipo românicas. de um lado a escrivaninha que viria a guardar por anos um caos de segredos e rascunhos dos tempos de escola; do outro um guarda-vestidos.
eu acordava todos os dias. comia sopinhas de leite, umas vezes com nesquick, outras só com açúcar branco, e entre as tarefas normais de quem tem de ajudar em casa ou no campo, brincava também. mas... havia ali uma hora que a sensação de ilusão se instalava e eu fechava os olhos com muita força, os punhos cerravam, os lábios contraíam-se, para tentar acordar. 
com o tempo foi diminuindo. a idade traz ferramentas de ilusão e
ocupa-nos o tempo em futilidades trágicas momentâneas que só quando nos obrigamos a parar, a olhar para o relógio, permitimos que o choque da realidade se instale. 
porém, ainda hoje, muito de quando em vez, surge essa sensação... depois questiono-me, e se eu for ainda criança, ainda estiver a dormir na minha cama, ou melhor, e se eu ainda estiver na barriga da minha mãe será que ainda vou acordar? será esta a realidade que o anjo ao meu lado me conta para me fazer esquecer na hora do parto, tocando com o seu indicador na aba dos meus lábios, pedindo segredo? para que eu sorria sempre de forma espontânea e infantil? será, será?
não claro que não. o tempo não cura tudo, acho que ele não cura nada! assim como não dá respostas no tempo que a gente quer! e por isso, talvez, nunca cheguem! 
por outro lado, faz-nos esquecer. só me lembro de como fria era a pele dela, envolta no cetim branco e reluzente...

há coisas no mundo para as quais ainda hoje não tenho respostas...

por que se fala em luz se quando fecho os olhos é tudo escuro?

nem tenho a noção da quantidade de gente que nasce e morre por minuto no mundo... nem sei por que razão nos alegramos tanto com um nascimento quando não sabemos lidar com a morte...

há coisas no mundo para as quais ainda hoje não tenho respostas...
o que há para além disto que sou, que vejo, que sinto, que cheiro, que toco? 

também não sei se quero saber.

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