quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

a cerimónia fúnebre

atrás de mim um ranger de porta que interrompe o burburinho que se instalou há minutos.
alguém dá os primeiros acordes na viola.
as velhas com o terço na mão, fungam o pingo do nariz à espera da sua hora e fazem contas à vida, quantas vidas viram nascer, quantas vidas já perderam por entre os dedos onde dança a conta e quantas mais verão até que por fim, seja a sua, a vida, a chorada entre as irmãs viúvas que não são de sangue.
um sino tocou.
as pessoas levantam-se para ouvir aquele que representa o Pai, "hoje é dia de celebração..." o burburinho termina. a viúva, cabisbaixa, levanta a cabeça; os familiares escutam; os mais cépticos levantam o sobrolho. "hoje este irmão nasceu!" e não se ouve nem o respirar arfado de uma constipação nem um fungar de um nariz vermelho do choro que teima em não sossegar. o padre continua "hoje é o dia em que perguntamos mas porquê? (...) e não interessa que não acreditem Nele! por que hoje Ele estará na nossa casa. é o dia em que precisamos de Deus, precisamos da Sua presença, do Seu conforto, é hoje que precisamos que esteja connosco! e Ele vai lá estar convosco! somos nós quem sofre..." só me lembrava daquelas crianças, que na fúria inocente da idade de quem não se conforma com um simples é assim, aquele homem dava as respostas muito antes de ouvir as nossas perguntas. "dizem-me que não sabem o que dizer (continuava) pois que está em paz. o nosso irmão hoje está em paz. nasceu outra vez. está na vida eterna, ao lado do Pai. o seu percurso terminou." eu queria absorver cada vírgula daquele homem sábio por que o que raio se diz a uma criança de sete anos acerca da morte?! até nós, adultos, nos revoltamos! nem nós, adultos, sabemos o que dizer uns aos outros...
foi feita a comunhão.
foram tocadas as violas, ouvidas as vozes em melodia que não lembro a letra.
terminou a cerimónia fúnebre mais bonita que ouvi até hoje ainda que triste como é óbvio. palavras sábias, confortantes, amigas.
a despedida foi feita, finalmente.
voltámos todos para casa, resignados com a nossa realidade.

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