terça-feira, 10 de maio de 2016

aglomerado de letras

verão em altas! as férias escolares eram passadas a trabalhar de segunda a sábado, praticamente. ao domingo, depois de almoço, volta e meia, a mãe fazia-me a vontade e, depois de almoço, como dizia eu, por volta das duas da tarde lá arrancávamos caminho à praia. só as duas! com um chapéu grande, típico de praia, com cada triângulo de uma cor, um saco com as toalhas, outro com as barbies, a revista mais actualizada que a mãe lá tinha em casa, sacos de plástico, uma faca (e alguidares no carro), e o meu dicionário. e à nossa frente: um carreiro mal feito a descer a arriba que levava ao recanto da praia que escondia tesouros deliciosos: lapas! (daí os sacos e os alguidares).
houve uma altura que resolvi investir no ponto cruz mas achei que aquilo era um ponto sem retorno tal qual um nó cego!
levava o verão inteiro entre longas sestas à chapa do sol, chapinhas nas barrocas das rochas e envolvida nas palavras mais eruditas do dicionário de capa mole, cor laranja com letras azuis. aprendi palavras como pranto, falo, fellatio e cunnilingus, conjucções várias tendo como preferidas: contudo, porém, todavia e por conseguinte; susceptibilidades, etimologia, onomatopeia... há muitas mais. todas me ajudaram a poetizar os grandes dramas de amor, próprios da idade; a esclarecer as curiosidades imediatas da adolescência. todas utilitárias na disciplina de língua portuguesa quando a questão que mais pontos valia no teste se debatia em opinar sobre determinado tema. também em filosofia mostrou-se proveitoso.
eu sempre gostei do som das palavras, da génese de cada uma, do significado de cada uma. como diz a Mafaldinha:
 
infelizmente nem posso objectar muito a respeito do assunto; quase não leio à excepção dos disparates  que vão passando no facebook ou, de quando em vez, faço pesquisas à descoberta, comparando com a quantidade de literatura que consumia... 
mas a paixão continua cá. nada substitui o folhear de um livro: o seu cheiro, a textura página a página, o relevo das palavras impressas, as cores da capa... para mim, palavras são muito mais que um aglomerado de letras. são raciocínios. e então, ainda hoje não resisto a entrar numa bertrand ou numa fnac ou numa papelaria de esquina anónima. oferecem viagens no tempo!

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