terça-feira, 19 de outubro de 2010

são mais as vozes que as nozes

com a chegada do outono o mais comum e familiar são os frutos secos. hoje em dia não como muito por que a minha adoração virou pecado capital guloso: tâmaras e ameixas e figos e alperces e mais qualquer coisa que falha agora na memória mas queainda assim já dá uma idéia do que falo. em miúda comia muito pinhões e nozes. mais pinhões que nozes. passava as tardes sentada no chão do armazém, junto ao portão grande, todo aberto, com um martelo do meu lado esquerdo e o saco dos pinhões com casca do lado direito. com muito cuidado e técnica - sim, por que ao fim de muito tempo adquira-se técnica que baste para quebrar a casca sem esborrachar o fruto - passava horas a admirar as sombras que o sol deixava fugir à minha frente enquanto comia deliciada. não era um martelo qualquer. tinha um cabo de madeira pintado a amarelo. e a cabeça era escura como a cor do metal de que era feito. só os pinhões me tingiam os dedos daquela cor acastanhada da casca dura. também gostava de pegar nas pinhas e sacar dos frutos mas levava mais tempo! na minha casa, preferencialmente e sabe-se lá porquê, as nozes comiam-se à noite e em família, partindo a casca dura da noz na dobradiça da porta de madeira, de tinta lascada e pintada a duas cores - do lado da cozinha branco sujo - como lhe chamou o pintor - e encarnado do lado de fora - nomeeia eu - a da fechadura comprida, velha e ferrugenta, sem entalar os dedos. actualmente compram-se uns objectos que servem para isso mesmo - partir as nozes - chamam-lhes quebra-nozes e isso, inevitavelmente lembra-me sempre o filme da barbie e o quebra-nozes que todos os anos dá pelo natal ora  no próprio dia ora na véspera ora depois seja quando for e à hora que passe é sempre na quadra natalícia.
outubro cheira a castanhas. a água-pé que não me agrada nada por aí além. a batata-doce que como com uma satisfação infantil. e a frutos secos, todos eles. isto até ao natal, na sua maioria. isto tudo evoca-me feed-backs do carnaval pelos desfiles em e de cores que não acabam; só a música diferencia uma festa da outra e as filhoses. desde que namoro que passou a ser natural a presença das filhoses no natal mas em miúda só eram feitas na minha casa pelo carnaval. a mãe punha a massa a levedar junto da lareira com um fogo espectacular num alguidar grande, cor-de-laranja, grosso e velho, e rijo o bastante para aguentar as batidas fortes do braço da minha mãe. tum-tum-tum como as batidas do meu coração em ritmo certo com o dela. horas depois, com as faces em rubor escaldante do calor da lareira, a impaciência só acalmava com o escaldar da boca e do estômago destas, saídas da fritura do azeite e passadas a açúcar e canela. uma tarde cheia, uma barriga cheia! nos outros dias, que eram dias mais que ordinários, entre tantas brincadeiras e outros entretenimentos, num deles era, de facto, o martelo e o saco dos pinhões. e comia, comia, comia... era uma criança comilona e gulotona. com as nozes a diversão era outra. nas tardes em que decidia pegar no martelo e comê-las tinha o verdadeiro sentimento de triunfo de cada vez que as abria com uma perfeição tal que as metades se uniam em perfeita simetria. comia a noz com uma satisfação que não tenho hoje. enjoam-me. excepto quando as entalo no meio dos figos secos abertos ao meio. que delícia. um verdadeiro acepipe - ah!... a melhor parte era noutras tardes quaisquer em que pegava nessas cascas e fazia delas barquinhos aventureiros nas ondas tempestivas do bidé da casa-de-banho. iam à pesca dos peixinhos, bolinhas de papel branco atiradas à àgua/mar. era até afundá-los. depois já não tinha piada. e abandonava-os num canto qualquer. ia buscar as bonecas ou os caniços, os meus burritos fiéis, e fazia longas caminhadas fartas de conversas à don quixote! agora instalou-se o drama e a desventura. que faço eu aos vinte e três anos com as cascas das nozes?! o mesmo que Scrat?!

1 comentário:

  1. as filhozes...:)) ler-te é bom porque nos envolves nos teus sentimentos e enches de doçura a tua escrita e quase nos podemos sentir criança enquanto viajamos ( e isso é importante para o leitor descobrir o escritor) e depois sentimo-nos capaz de ver a thania adulta e a thania menina e a thania cheia de recordações que encanta com as suas destidas e ditas pelas palavras que tão bem correm conforme nos esboçam um sorriso como se fossem as virgulas um polegar a fazer-nos cócegas nos lábios , a tiritar, se a leitura tem aroma, então, o autor tem o perfume . Gostei muito.

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