quarta-feira, 27 de outubro de 2010

echolalia

há ecos dentro de mim. eeeeecos. e-cos. ecos. ecos enoooormes. ecos profundos. ecos do tamanho do mundo. ecos da duração dos anos-luz. ecos intermináveis. ecos como aqueles mudos quando eu, em criança, de joelhos, atirava pedrinhas, palhinhas, lêvas pequeninas de terra seca para dentro do poço de pedra a pedra, feito uma a uma com paciência e inteligência também,pelo avô pai da mãe, à muitos anos, ao fundo da terra, junto das laranjeiras. e depois ficava a ver as ondinhas que o que quer que fosse atirado lá para dentro fazia assim uns círculos deliciosamente simples como os primeiros pingos de chuva no começo do outono. fazia sempre frio ali. os cedros atrás de mim, a caneira à minha frente, do meu lado direito a terra cultivada que se estendia quase até ao portão de casa, do meu lado esquerdo mais uns metros de terra e depois uma estrada de chão abatida, a dar de si por causa das enxorradas. debaixo dos meus braços o poço rebocado à pressa, de forma tosca, velho e cheio de musgo aonde a água das chuvas e a do leito passageiro subterrâneo não tocava nos ninhos dos melros; estes que tinham ninhos que eu queria alcançar mas estavam tão longe da ponta dos meus dedos pequeninos. era o sítio ideal, para os ninhos dos melros, a àgua não molhava por baixo, as crianças curiosas não alcançavam por cima. depois eu distraía-me por ali... divertia-me os sons que surdiam dali. e então produzia sons monótonos como os ah, uh, muitos outros ah batendo repetidamente a mão direita na boca enquanto o som saía das minhas cordas vocais. e depois eu ouvia aquele som em surdina. eram ecos bem mais infantis e dispersavam-se trespassando-me as entranhas míudas do corpo pequeno. hoje, o corpo da menina é um corpo de mulher e os ecos também por isso mesmo (?) são maiores. e não se extinguem tão facilmente como outrora. enrolo-me no cobertor "macisinho" da mãe, no sofá e fecho os olhos. fecho os olhos para dormir.

1 comentário:

  1. Acho quer deves aliar esta tua capacidade de descrever a uma cena mais literária, isto não é uma crítica, e penso que hás-te de compreender que não é. Mas lê, vai lendo e verás do que falo. Não podemos ver a Thânia a falar..vai ficar , como por assim dizer , com reticências..esperando então a tua resposta.
    Não te posso comparar ao Lobo Antunes. A única semelhança é que ambos escrevem de memórias cda um com o seu estilo. Eu recomendo que o leias e possas , desse modo também, assimilar a minha opinião.
    Óbviamente que gostei mas podes transformar isto para melhor, quem me dera a mim, ter tantas facilidades em descrever as memórias passadas. Fico sempre cheio de sentimentos e bloqueio. Muito fixe Tânia.

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