sexta-feira, 8 de outubro de 2010

lanches em dias de chuva

dias de chuva como este merecem outras melhores recordações dos meus tempos de míuda. naquela casa onde passei dezoito anos da minha vida muita coisa me construiu por dentro. o cuco ao longe, naquele mato, quase inaudível; a cigarra nas tardes mais quentes de verão atiçando a preguiça; o vento assobiador às frestas da janela; a chuva a cair no alpendre. nestes dias, na lareira, estalava os galhos de madeira seca apanhada para o efeito. bocados de vimes. pinhas. cavacos. madeiras mais que velhas. além das camisolas velhas e desusadas, sem graça e de lã, e das meias grossas guardadas de um ano para o outro só mesmo aquele crepitar dava algum alento quando não se podia sair de casa. rascunhava muito com lápis de todas as cores e de todos os tamanhos em qualquer canto dobrado de uma folha qualquer. jogava ao galo sozinha e conseguia perder. via os desenhos animados sentada à chinês no cobertor estendido no chão. e colava o nariz à janela a ver a chuva a cair nos campos de trigo que o pai amanhava ora uma sementeira de batata ora uma de trigo; ano sim, ano não era uma colheita diferente. o armazém era gelado não apetecia brincar a nada ali nem andar de bicicleta. muitas vezes estendia-me no sofá a ver o fogo a dançar e a brincar.
depois... havia dias... não era sempre e foi isso que tornou tão especial esta recordação. havia dias que a mãe fazia torradas. barrava com manteiga e polvilhava com açúcar... humm... que delícia... quem nunca comeu torradas assim? estaladiças... quentinhas... de pão caseiro... aquele cheiro de manteiga açucarada...
claro que naquele tempo eu só sabia o quanto era bom de comer; nunca me ocorrera analisar assim as torradas; talvez fosse por isso que a Pessoa perdurava um fascínio eterno pelas crianças e daquela inocência própria de fazer tudo pelo sentir e nunca pelo pensar. lá fora a chuva escorrega nas janelas grandes da minha futura casa. o céu, entre prédios, está cinzento como todos eles e só a vegetação ruim dos caniços se mexe mais abaixo. a casa ainda está fria, não é de todo e ainda, quente daquele maravilhoso calor que só os lares têm. mas já tem cor. tenho de pôr uma nota, algures, para numa das próximas compras de electrodomésticos a escolha recair na torradeira e nunca me poderei esquecer de repetir a torrada que a minha mãe me fazia em garota. eram tão boas e as minhas filhotas, nesse dia, irão gostar também.

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