quinta-feira, 28 de outubro de 2010

bonecas de trapos

o meu pai deu uma boneca de pano à minha mãe à coisa de uns meses atrás. ela tem o cabelo de fios de lã castanha nos dois totós, uns olhos castanhos como os dela mas menos bonitos, os olhos castanhos da minha mãe são muito mais bonitos e intensos, um sorriso cor-de-rosa e tem vestido um fatinho cor de creme com uma flor no meio feita a retalhos e linha cor-de-rosa; a bainha também é de retalho. a minha mãe dorme com ela de noite. esta manhã, por acaso, estava eu a fazer ronha para me levantar da cama, cada vez mais aninhada nos lençóis de fanela, quando abri um olho ela estava mesmo ali quase a fazer-me cócegas no nariz com a ponta dos cabelos. cheirei-a. a minha avó materna tinha um saco cheio de trapos e tinha dado para fazer uma boneca de trapos verdadeira. era uma tarde de sol como muitas outras (acho que o sol naquela terra dura mais tempo que noutro lado qualquer!) quando resolvi entrar à socapa na adega do vinho onde ainda restavam as pipas do tempo do avô quando ainda se fazia vinho tinto; cheirava a velho  e a teias de aranha; havia pó por todo o lado e coisas guardadas em segredo no meio das falhas das paredes de betão. a avó deixou-me levar o saco cheio de trapos para a minha casa e fui a correr para que ninguém mais visse o meu tesouro descoberto. sentei-me à chinês num canto do armazém e fui tirando trapo a trapo, tira a tira; havia panos azuis de algodão ou flanela, sei lá!, cetim em tom arroxeado, havia outros em tons de creme e branco e muitas mais tiras de pano, das quais não me recordo - já se passaram tantos anos... mas tenho a certeza que havia panos para todos os gostos, isso era mais que certo! o que mais torna a lembrança viva é o aroma. hoje, e curiosamente só mesmo hoje, tomei noção de quão forte é a sensibilidade dos nossos sentidos e como é esse o elixir das nossas memórias. uma vez mais, não sei o que fiz a tantos restos de tecidos mas o mais certo deve ter sido a minha mãe levada pela razão a deitá-los todos no lixo mas enfim! ainda hoje me lembro deles e do cheiro tão característico a esquecimento no tempo que tinham dado para fazer umas belas bonecas de trapos cheia de retalhos. eu gostava de ter tido uma e a da minha mãe não é verdadeira.

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