sábado, 20 de novembro de 2010

doll troll

aos fins de semana mudo de casa, de residência, de vida, de estatuto, de terra. nunca de personalidade. sempre que chegam os belos finais de dia  das sextas-feiras das cinquenta e duas semanas do ano mudo de vida. migro do concelho que me viu crescer, que conhece a minha personalidade, que sabe a minha identidade, donde são originárias as minhas raízes e migro para a terra que de longe em longe me ouvia as passadas na ribeira, junto às docas, ouvia a minha voz de criança misturada no murmúrio do mar e via o reflexo da cara de menina - que ainda hoje tenho - estampado nas águas calmas do porto onde uma gaivota mais gulosa interrompia a calmaria que banhava os barcos de âncoras alojadas metros abaixo. a casa está como quem gosta de ver um copo: meio cheio ou meio vazio. para mim está meia cheia. aos poucos se vai enchendo de tudo um pouco. todavia, sem electrodomésticos à excepção do aspirador que por motivos que não interessam nada é tudo menos silêncio como o de gato cuja única semelhança em particular é a cor, nada posso ter a fins de conserva diária de modo que o pequeno-almoço é como o dos ricos - fora de casa. são dois dias a tomar o pequeno-almoço no café. o joão gosta de ir a um perto da casa dos pais, já eu, confesso, gostei mais de lá ir. sou daquelas pessoas que não gosta de confusões e barulhos fortes pela manhã. gosto de uma manhã tranquila. quanto mais tranquila for, melhor o meu despertar e, por conseguinte, melhor, muito melhor até, o meu humor e a sua duração ao longo do dia. não é o caso na maioria das vezes, que, vá se lá saber agora, faço das tripas o coração para ignorar os gritos das criancinhas, das mulheres histéricas alvoraçadas, da televisão aos berros e os gritos das pessoas ao balcão para pagar. fora a refeição que nunca me satisfaz de todo. gosto do comer da terra que me viu crescer e tornar mulher. aqui a comida não tem o mesmo sabor.
hoje, para me abstrair daquela poluição sonora num espaço tão pequeno, de tão poucos metros quadrados, olhei para a vitrina e, mais do que noutro dia qualquer, reparei em cada chincalharia à venda: bonecos com gomas, chocolates de todas as marcas, brindes, guloseimas, sugos, chocolates, brinquedos... enfim! uma diversidade que até eu, que já sou uma mulherzinha, tive dificuldades em, hipotéticamente, escolher uma coisa só que fosse. sorri. achei piada aquilo tudo e imaginei-me criança outra vez. recordei o fascínio que é para uma criança aquele mundo mesmo ali à mão de apanhar e satisfazer. não é comum, pelo menos aqui por estas bandas, tanta coisa assim à venda. a última vez que vi algo assim era ainda muito novinha, não devia ter mais que os meus seis anos talvez se tanto ou pouco mais. na terra natal do meu pai, cuja natalidade é mínima e a velhice abunda em cada esquina, havia e ainda há um café com direito a sala de jogos, mercearia, w.c senhora e homens separado, e mais qualquer coisa que eu visualizo na minha mente mas que não indetifico o que seja. um balcão enorme tanto em comprimento quanto em largura, albergava por todo o lado coisas do género. entre garrafas de aguardente e vinho tinto caseiro, copos-penalty e garrafas de cerveja de litro, num fundo de azulejos verdes-enjoados contrastando o chão de mosaico branco-sujo serampitado, havia muitos chocolates desde os mais antigos como o chapéu-de-chuva da regina até às pintarolas. (comi centenas de pintarolas... nem sei como não enjoei). ir aquele café calhava quando o rei fazia anos. e talvez por isso poucos sejam os pormenores que me escapem, claro não ponho de parte a realidade, mas em tantos anos, muita coisa muda... tanta coisa mudou desde aí... ainda me lembro do cheiro... confundia-se o cheiro da mercearia com o da taberna mas estava sempre tudo muito asseado. mesas e cadeiras várias dispostas por toda a área. eram frias. desconfortáveis. típicas de um café antigo. havia fitas de plástico à porta para espantar as moscas. os homens jogavam às cartas sempre naquele canto à direita quando se entrava e as mulheres sentavam-se quase sempre na esquerda conversando umas com as outras.  mas hoje... hoje, quando me lembrei desse café não foi pela apresentação do estabelecimento. foi por causa das guloseimas. na minha infância apareceu este boneco que fez um furor imenso e que eu me cansei de o procurar na google. já não me lembro o porquê mas sei que adorava aquele cabelo fino, esgadelhado, de cores estranhas para um boneco - mal sabia eu que seria moda nas senhoras anos mais à frente. eu lembro-me bem do de cabelo verde. havia noutras cores mas não sei se havia algum significado específico. sei apenas, e por curiosidade partilho isto também, que a origem destes bconecos de aspecto tão tosco é humilde, triste e bonita pois tratou-se de um pobre homem pobre que sem nada que pudesse oferecer à filha pelo natal esculpi à mão e da sua imaginação uma boneca. podem ver em wikipedia.com. como era habitual e já tradição mesmo foi mais um que não resistiu à minha infância de modo que não posso continuar a dizer mais que seja. seja como for é bom saber que ainda me lembro dele.

2 comentários:

  1. e terá grande valor para a criança,
    kis :=)

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  2. Os lugares sao de facto como os olhos os vem. Adoro a forma descritiva e sensivel que encontro nas tuas partilhas aqui na blogosfera. Este teu pequeno texto, cheio de grandes pormenores, imagina so, lembrou-me do livro que mais gostei de ler ate hoje, Os Maias. Simplesmente por descreveres e seres, tambem tu, uma mulher de pormenores. ;)
    E nunca é demais partilhar informacao/conhecimento, nao sabia isso desses bonequinhos com um cabelo tao estilo o meu, acho que tambem eu vou passar a gostar mais deles a partir de hoje...

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