sexta-feira, 17 de setembro de 2010

primeiro dia de aulas

era mais uma tarde de sol. uma tarde como muitas outras. ouvi a carrinha. o pai tinha chegado. corri para o portão. a mãe veio logo atrás. não me lembro o que tínhamos vestido para além das habituais calças de fazenda do pai. e da carrinha cor-da-pele, dos banquinhos atrás para mim onde eu gostava tanto de ir. "a tânia 'tá na altura de entrar na escola. já me fui informar." eu? na escola? outras crianças como eu? senti uma felicidade que ainda não hoje não sei descrever. foi um misto de inocência e curiosidade, julgo. imagino que não tivesse dormido sossegada e calmamente como era hábito da excitação. lembro-me do meu primeiro dia de aulas. uma professora velha. gorda. de óculos entre a ponta do nariz e a face enrugada da testa. olhos castanhos. cabelo arranjado em permanente. grisalho ou seria castanho? ainda hoje a vejo, há imagens actuais que se misturam nas minhas memórias. mas lembro-me que era costume meses depois ela usar uma saia até meio da canela num tom amarelado e axadrezado. eu gostava daquela professora. fazia-lhe desenhos em casa e leva-lhes. um desses desenhos não sei que o que rabisquei no papel por que a minha memória destaca o dia. um dia de chuva daqueles, um autêntico dia de inverno. céu nublado. frio por todo o lado. a chuva ouvia-se a cair no alpendre. ah o alpendre um misto de cheiros. o cheiro da terra molhada da chuva fria. a chuva que cheirava a terra. ervas nos canteiros junto dos muros cheios de recortes, brancos e gastos do tempo. a minha mãe andou naquela escola primária. e o alpendre no meu tempo cheirava a marmelada. a fiambre. a vianinhas. a tulicreme. e era barulhento. brincava-se à cabra-cega. corria-se ali. o piso, velho e gasto do tempo, era escorregadio e num manto de humidade outonal era um acepipe para as nódoas infantis. em dias de sol brincávamos à apanhada, nos baloncés, como eu lhes chamava, e saltávamos uns ferros que eu nunca percebi a sua verdadeira finalidade mas dava para fazer verdadeiras cambalhotas ali. havia muita areia - não é como hoje, que inventaram aquele piso antideslizante onde não se apanham pulgas nem palmadas no rabo por os pés terem mais areia dentro dos sapatos que o espaço ocupado pelas meias, onde não podemos inventar castelos de areia e quando caímos dói menos que agora. ainda hoje se mantêm firmes as nespereiras. que doces... e grandes! sempre fui a mais pequena. a primeira vez que me medi tinha pouco mais de um metro, um metro e vinte e nove centímetros, devia andar na casa dos oito anos. era e sempre fui a mais pequena. coisa estranha achava eu quando no meu último ou penúltimo ano da escola primária, entraram naquele ano uns quatro irmãos e a mais velha deles todos era enorme. era tão alta que chegada ao topo do quadro preto cheio do pó branco, do giz. ela era maior que a professora e aquilo para mim era uma coisa estranha. no meu entendimento nenhum aluno devia ser maior que a professora. mas enfim! ela era...
cada ano foi uma aventura por si só. quando passei para a escola básica o primeiro dia foi mesmo a estreia. uma escola grande. tantas portas. e não acertava com nenhuma. umas fechadas. muitas janelas. e nada de encontrar uma porta aberta. depois quando encontrei uma foi a custo que a contínua me deixou entrar por que, segundo ela, aquele era acesso reservado a professores mas depois de explicar que já tinha tocado e eu estava perdida e nem sequer sabia aonde era a sala lá me deixou finalmente passar da porta. depois tinha de encontrar a sala. e ninguém sabia aonde era a sala EVT1, como é que era possível?! lá a descobri, mesmo ao lado da porta da casa de banho das meninas. o professor foi um bacano - deixou entrar sem marcar falta. ainda hoje o vejo. e cumprimentamo-nos. lembro-me de todos os professores que tive, falham-me os nomes de alguns. todos se lembram de mim.
um ano depois de ter acabado o secundário foi o pior ano de sempre. terminados os estudos nunca mais tive nas mãos o cheiro dos livros novos, a excitação a bater forte no coração, as dúvidas do que comprar ou não. horários loucos para cumprir. e fiquei à janela a ver o início das aulas começar sem mim...

3 comentários:

  1. Gostei. Como sempre.
    no meu primeiro dia fartei-me de Berrar :((( não queria ir ...

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  2. é típico. mas lembro-me de um dia que não queria ir para a escola por nada deste mundo e mesmo assim... lá tive que passar os portões...

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  3. Nem os estudos nem os livros...nunca terminam...como se vê pelo modo como bate o teu coração!

    Beijo

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