segunda-feira, 26 de abril de 2010

"nas costas dos outros vemos as nossas"

imaginem ir na rua, a conduzir o vosso carro, ou mesmo a pé que seja, mas neste caso em particular de carro, a rádio sintonizada na vossa estação preferida, um sol forte, muitas pessoas na rua junto ao mercado municipal de uma qualquer cidade ou vila, uma algazarra pouca abafada pela música-sucesso do momento.
agora imaginem o que é, de repente, ouvir uma daquelas buzinadelas horríveis de quem está a ter um ataque de nervos em plena via. é, no mínimo, bizarro.
o senhor apitou, ou melhor, buzinou e esbracejou e gritou ainda mais lá de dentro porque à sua frente ia um desgraçado. um velho desgraçado, velho e bêbedo. a seu lado tinha a bicicletazinha tão velha quanto ele ou mais mas companheira fiel das suas desditas. o senhor, o velho bêbedo, cambaleava ora para a direita, ora para a esquerda e o outro, o de fato e gravata, no seu carro de alta cilindrada, um AUDI A6 preto ou azul-escuro e luzente, penso, não sabia se havia de ultrapassar a criatura, se buzinar, se esperar mais um pouco. buzinou e esbracejou. o velhote deu dois pulos, assustado com o volume e o tempo da buzinadela do carro de alta cilindrada do outro. isto tudo em segundos. eu, por minha vez, fiz o meu pisca à esquerda e seguia  minha vidinha vendo ali os dois, encostados à berma da estrada a discutir que nem loucos. imagino a fusão de odores. a fusão de vidas. a fusão de mundos. ficaram ali a esbracejar e a ofenderem-se enquanto o mundo todo à volta passava por eles, indiferente ao motivo de tanta discórdia. tive pena do velhote bêbedo.
confesso que, noutro dia qualquer, em que estivesse mais impaciente, confesso que se calhar teria tido a mesma atitude e teria chamado alguns nomes que, muito provavelmente, o outro senhor de fato e gravata chamou ao velho.
mas, naquele dia, tive pena do pobre homem que ia a pé, conduzindo a sua bicicleta ferrugenta, mais bêbedo que a própria garrafa, talvez. fez-me pensar. e, quando me calhar a mim, num desses dias de maior impaciência que o costume, acho que vou respirar fundo, lembrar-me deste dia e recordar-me que tive pena e que achei desnecessário uma atitude tão tempestiva. "nas costas dos outros vemos as nossas".

1 comentário:

  1. prefiro ser pobre e ter um bom coração do que ter gravata e ñao ser humano .

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