sexta-feira, 9 de março de 2018

bestas procuram-se

ilustracção de NABHAN ABDULLATIF
engolir o choro é das coisas mais difíceis que há no mundo para mim. seja por orgulho, amor próprio, ou por que o local ou a hora não são os apropriados e já somos crescidinhas - gente adulta não chora! não me lembro, em miúda, de ver um adulto que fosse, chorar. serei eu fraca? não saberei lidar com as adversidades da vida como gente grande? o meu metro e meio não pode ser desculpa para tudo e os trinta já cá estão! 

e no entanto, cá estou eu, uma mulher feita, dona e senhora do meu nariz, esposa e mãe com o choro sentido de uma criança, preso no peito.
às escondidas, as lágrimas que caiem não lavam nem a cara nem a alma nem o coração fica mais leve, nem a razão mais serena. 

...


fui interrompida pelos bigodes ronronantes da bichana; já outras vezes ela me enxugou as lágrimas, me acalmou a alma. hoje, quando olho para o lado, estão uns grandes olhos azuis muito abertos, muito fixos que me devolvem o sorriso no rosto.

eu podia enfiar a cara na almofada até que ela, a almofada, entendesse a dor da ingratidão mas assim como não chegam todas as palavras do dicionário para descrevê-la também de nada adianta vomitar as vísceras, chorar baba e ranho, perder o sono... porque há pessoas assim no mundo que quando olham para ti vêm o teu custo, não o teu valor e num micro segundo tu passas de bestial a besta.

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