uma mísera área fria. cinzenta. desprovida de qualquer panfleto indicativo, informativo, colorido. a porta dava acesso a umas escadas para o piso inferior. não me lembro do piso em que estava. depois havia outra porta. daquelas grandes que se empurram. tudo linhas rectas. desprovidas de curvas, de harmonia. cores baças. estava naquela sala de espera devia ter os meus oito anos. não percebia bem o quê só que algo não estava bem. aos oito anos tratam-nos com oito anos, não nos explicam as coisas como seria suposto. a minha mãe adorava fazer-me tranças com o cabelo molhado na noite anterior para que de manhã ficasse com efeitos no cabelo comprido de menina. gostava de me vestir com vestidos. e eu nunca me importei. naquele dia (não me recordo se era manhã ou de tarde, estive lá tantas vezes durante tantos meses) fiquei breves minutos sozinha que me pareceram uma verdadeira eternidade. inclinei o meu corpo até aos joelhos. levei as mãos à cara. chorei.
ali estava uma criança sozinha a chorar.
a mãe entrou naquele instante e senti-me envergonhada. não queria que se importassem comigo naquele momento. queria a minha mana. a mãe perguntou-me o porquê das lágrimas.
"- não quero que a mana morra!", disse em voz trémula. a mãe mal soube responder tal era o nó na garganta e o aperto no coração. acalmou-me. não me recordo do que ela disse mas enxuguei as minhas lágrimas de menina.
lembro-me de numa tarde de inverno, chuvosa ter puxado por ela para brincarmos as duas à chuva. ela constipou-se de tal ordem que fiquei de castigo. achei que tinha cometido uma crueldade do tamanho do mundo. que ela adoecera por minha culpa. lembrei-me disto naquele segundo seguinte quando voltei a estar a sós naquela área que cheirava a hospital. sabia que o estado dela não tinha sido eu a provocá-lo mas os remorsos de criança despertaram naquele momento.
meses depois a minha mana a quem tinha dado o nome, de quem tinha dito que se fosse um rapaz que dava à vizinha, que nascera no meu aniversário com uma hora e um quilograma de diferenças, meses depois... falecera.
nunca mais nada voltara a ser como dantes. nunca mais houve roupas iguais para as duas apesar da mão cheia de anos que nos separava, nunca mais houve coelhos de páscoa feitos na escola com amêndoas lá dentro nem disputas por tudo e por nada nem o tratamento.
a questão é: como é que uma criança de oito anos tem a percepção de algo tão ruim estar à sua volta? e como é que lida com isso no presente e no futuro?
dizem que o tempo cura tudo e com o tempo tudo passa. não cura coisíssima nenhuma. não passa nada. para mim as feridas do coração são como as nódoas difíceis de tirar: o pano amarelece, cheira a bafio, desfaz-se e a nódoa permanece lá cada vez mais escura...